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01
jun
12

Diário da Corte, Paulo Francis

Charles Antunes Leite

Diário da Corte reúne 76 textos selecionados entre os milhares que foram publicados na coluna de mesmo nome pela Folha de S. Paulo entre 1976 e 1990. A compilação organizada pelo jornalista Nelson de Sá vem acrescida do posfácio do filósofo e articulista Luis Felipe Pondé.

Paulo Francis (1930-1997) alcançou o status de um dos jornalistas mais cultos e o mais bem pago do Brasil. Em 1971, anunciou no Pasquim “Vou escrever sobre porcaria. Uma expressão pornográfica: Roberto Marinho”. Como era muito lido, mesmo assim, anos depois ocupou espaço no jornalismo da emissora do Dr. Roberto Marinho.

No Jornal da Globo, numa coluna de um minuto, que desenvolveu e deixou sua marca indelével tecendo comentários sobre os mais variados assuntos: música, literatura, cinema e, principalmente, teatro onde começou a desenvolver sua veia interpretativa e crítica. Não se ocupava somente com produtos culturais, falava com propriedade sobre relações internacionais, política interna e externa. A política foi o que mais trouxe dor de cabeça para ele e para os veículos em que trabalhou.

A morte de Francis não pode ser atribuída somente a um diagnóstico errado (suposta bursite), mas agravado pela preocupação causada pelo processo movido por alguns diretores da Petrobras acusados de corrupção e terem enviado 50 milhões de dólares para bancos da Suíça. A informação, que carecia de provas, foi divulgada no Programa Manhattan Connection, da Globosat, em 1997.

Paulo Francis, apesar da acidez de seus comentários, era capaz de arrancar sorrisos e a simpatia dos leitores e espectadores. Ele era misógino e não admitia que se levantassem bandeiras da causa gay. A aversão por negros e pobres era notória. Francis se tornou um personagem tão imitado quanto Jânio Quadros, Paulo Maluf, Lula e Sílvio Santos.

A língua ferina disparava contra pilares da sociedade. Muitas vezes, ele o fazia por pura pirraça, provocação, mesmo – toda corte precisa de um bufão. Ele atacava personalidades que poucos teriam a pachorra de ofender. Ultrapassava a crítica e partia para as ofensas. Jacqueline Onassis foi descrita como “prostituta  de alto coturno” e a então esposa do vocalista dos Rolling Stones “… Bianca Jagger (que não se sabe se é homem ou travesti)…” Luciano Pavarotti era um “tenoreco”. Não se dignaria sair de casa para ouvi-lo.

No seu dicionário não existia a palavra intocável, nem mesmo Caio Túlio Costa, o primeiro ombudsman da Folha, saiu ileso – isso porque era colega de redação.

Francis viu defeitos em Annie Hall (1977), considerado um dos melhores filmes de Woody Allen. No entanto, valoriza o talento do cineasta em alguns momentos e acrescentava que Allen tinha Bergman como modelo, mas era apenas Woody Allen.

Num artigo sobre Eugene O’Neill desmereceu a obra de Virginia Woolf, Norman Mailer, e até Gabriel García Márquez – nomes de peso e respeitados pela crítica especializada – em detrimento de Georges Simenon, um autor menos badalado e assumidamente reconhecido como um dos preferidos do colunista. Não contente com isso, comenta em tom de chacota “já irritei bastante gente?” Ele sabia o efeito que teriam tais comentários.

Ele um ranzinza crônico e considerava tudo que a maioria gostava como sofrível e insípido “… o julgamento da maioria está errado sempre”. Pelas suas crônicas se mostrava desiludido e entojado pelas manifestações artísticas de todas as formas que chegavam ao público fosse na literatura, cinema, teatro ou música. Nenhuma peça despertava maior interesse e Francis se via no papel do Artista da Fome de Kafka – deixava de apreciar por que não o aprazia. Ainda esperava pelo manjar que despertasse seu apetite.

Paulo Francis praticou o jornalismo “free style” em que chutes e opiniões substituíam as normas da profissão, principalmente da apuração. Sua crônica se aproximava, algumas vezes, do gênero gonzo. Atravessou o período da Ditadura Militar (1964-1985), reportou a Anistia, em 1979, e acompanhou com olhar privilegiado os primeiros anos da Nova República.

A segunda década do século XXI o deixaria perplexo e em maus lençóis, os processos seriam constantes. No país que diz ter liberdade de expressão (e de imprensa) humoristas temerosos com a vigilância pudica reformulam piadas. Um filme publicitário precisou ser alterado depois de alguns dias de veiculação – uma palavrinha na última frase incomodou algumas pessoas. A mensagem perdeu a graça da mesma forma que o jornalismo com a morte de Paulo Francis.

Título: Diário da Corte
Autor: Paulo Francis
Páginas: 408 páginas
Editora: Três Estrelas