Charles Antunes Leite
FILME CLÁSSICO
O cineasta alemão W.F. Murnau teve uma carreira marcada por grandes filmes numa época em que o cinema engatinhava e os diretores não tinham tecnologia à disposição, mas possuíam imaginação de sobra para contar histórias. Murnau é constantemente associado a Nosferatu (1922), obra-prima do expressionismo alemão.
Na trama a mulher da cidade (Margaret Livingston), em férias no campo, conhece o fazendeiro (George O’Brien), com quem passa a manter um relacionamento amoroso. O romance afeta a estabilidade afetiva e financeira do casal. A forasteira propõe que durante um passeio de barco ele forje o afogamento “acidental” da esposa (Janet Gaynor) e depois venda a fazenda para viver com ela na metrópole.
O marido é assediado pela culpa, o que pode ser percebido, já na primeira vez em que sai às escondidas para um encontro fortuito com a amante. No momento em que está para concluir o plano nefasto, se arrepende, e corroído pelo remorso tenta se redimir junto à esposa, que amedontrada foge e é seguida por ele até a cidade.
Os dois entram numa igreja durante um casamento e ele se lembra do dia em que prometeu amar e respeitar aquela mulher ao seu lado. O pecador arrependido, aos olhos de Deus, pede perdão e sente que pode recomeçar.
Em meio ao trânsito caótico e sem semáforos em que carros, carruagens e bondes dividem o espaço com os pedestres na metrópole, eles caminham pela praça. Alheios a tudo em volta, como se estivessem numa campina, o casal se beija apaixonadamente interrompendo o tráfego – ficam cercados por veículos. A cena se repetiria com um marinheiro e uma enfermeira em Times Square, em comemoração ao término da Segunda Guerra Mundial, dezoito anos depois. O clima de lua de mel poderia salvar o casamento ao voltarem para casa?
Aurora (1927), o primeiro longa de Murnau produzido em Hollywood, e até então a produção mais cara da Fox, recebeu três estatuetas da Academia de Cinema. A premiação ocorreu em 1929, no entanto, o troféu receberia o nome de Oscar somente em 1931. O filme levou o prêmio de melhor atriz Janet Gaynor, conhecida por Nasce Uma Estrela; melhor Fotografia e Qualidade Artística.
A fotografia em Preto e Branco realça a luz e a sombra para representar as diferenças entre as paisagens bucólicas e ritmo frenético da cidade. O olhar dos personagens seja de paixão, fúria ou ternura por si informa e transmite tudo o que o espectador precisa saber para entender o que se passa na tela. O impacto visual de Aurora faz com que a história seja contada sem a necessidade de dizer uma única palavra.
Em Aurora, o som ambiente foi sincronizado com filme. A trilha sonora original é empregada pela primeira vez. O score de Hugo Riesenfeld conduz os momentos de romance, luxúria, tensão, dor, devaneio e reconciliação.
Murnau faz o uso de diversos recursos técnicos trazidos do expressionismo alemão. Consta que o diretor utilizou crianças e anões para dar profundidade de campo. Ele rodou um plano-sequência a caminhada da mulher da cidade, que foi dividida em várias cenas na montagem final; a sobreposição de imagens do campo e da cidade, entre outros recursos.
O diretor morreu em acidente automobilístico em 1931, porém Aurora se firmou como obra atemporal e inovadora no final do século 20, sendo eleito pela elite dos cineastas e críticos como um dos filmes mais importantes de todos os tempos ao lado de obras como O Encouraçado Potemkin de Sergei Eisenstein e Cidadão Kane de Orson Welles.
A aurora é mais brilhante e majestosa depois de uma noite de tormenta. Aurora é um poema visual e quase cem anos depois, cada frame do filme é capaz de representar mais que mil palavras…
DVD: Aurora – Uma canção de dois humanos, EUA, 1927
Título original: Sunrise: A Song of Two Humans
Direção: F.W. Murnau
Duração: 90 min
Distribuidora: Versátil
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