Charles Antunes Leite
Não pretendo com os discos abaixo citados criar uma lista com os melhores do ano. Dentre aqueles que ouvi em 2014 foram os que mais me agradaram e, que sem arrependimentos, pude investir suados reais na certeza de que mereciam ser ouvidos mais de uma vez.
Juçara Marçal – Encarnado
A sujeira da guitarra e o “noise” em contraponto encarnados pelo discurso a flor da pele e pela voz macia de Juçara. O instrumental característico da geração Lira Paulistana: Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Thiago Araripe, Grupo Rumo, Jorge Mautner, Eliete Negreiros entre outros ecoam pelo álbum. As harmonias limpas se unem ao instrumental sujo e dissonante. Não é necessário se esgoelar para parecer rock como na “sonic youthiana” Ciranda do Aborto. O disco que se sustenta na guitarra e distorção termina com a suavidade de um sambinha paulista João Carranca.
Johnny Cash – Out Among the Stars
Johnny Cash como muitos artistas influentes deixou muito material sem ver a luz do laser. A grata surpresa em perceber já na primeira audição que este não é um mero caça-níqueis. O filho de Cash encontrou o material durante o processo de catalogação da obra do pai. Out Among the Stars compila material não utilizado nas sessões de gravação de 1981. A faixa título é o anúncio do clima que impera em todo o disco, o ritmo no melhor estilo do Pica Pau e seu fiel cavalo “Pé de Pano”. Dentre os destaques dois duetos com June Carter Cash e um com outra fera do country Waylon Jennings. São rocks, baladas e temas com influência gospel reunidos que não perdem em nada para as gravações clássicas do Homem de Preto.
Willie Nelson – Band of Brothers
Desde 1996, Nelson não lançava um disco com 100% de material inédito: 14 temas (nove de sua autoria). Band of Brothers (a canção) é uma homenagem àqueles que foram parceiros na carreira de Nelson como Johnny Cash, Waylon Jennings e Kris Kristofferson entre outros. É um grande retorno com uma coleção de baladas límpidas e encorpadas longe da “xaropisse” do neocountry. O disco sereno e próprio para descansar após o dia de trabalho em volta da fogueira com o violão sob a luz das estrelas. Em poucos momentos, ao contrário de Cash, o ritmo é acelerado como nas canções: Crazy Like Me e I’ve Got a Lot of Traveling to Do.
Eric Clapton & Friends – The Breeze: An Appreciation of JJ Cale
Clapton tem em J.J. Cale uma das suas influências declaradas e teve o prazer de tê-lo como parceiro em 2006 no álbum The Road to Escondido. Cale, morto em 2013, recebe a homenagem de Clapton que conta com a participação de amigos e fãs do compositor: Mark Knopfler, John Mayer, Willie Nelson, Tom Petty, Derek Trucks e Don White em releituras das composições do guitarrista e compositor. Algumas muito boas outras ok. Com poucos momentos aquém da grandiosidade de Cale. Estilos variados resultados também – o que não compromete – no final o saldo é positivo.
St. Vincent – St. Vincent
Annie Clark aka St. Vincent (ex-guitarrista do Polyphonic Spree) no seu quarto trabalho solo envereda por caminhos melódicos e vocais semelhantes à Kate Bush e Tori Amos. No mesmo disco podemos ouvir a pop Prince Johnny; a levada funk de Prince safra 80’s de Digital Witness; Psycopath lembra a banda do parceiro no disco anterior David Byrne. St. Vincent mescla faixas mais acessíveis com outras situadas no “Art Rock” em que experimenta recursos da sua guitarra amparados pela eletrônica.
Suzanne Vega – Tales from the Realm of the Queen of Pentacles
Suzanne apresenta músicas inéditas depois de sete anos. O folk com vocal sussurrado acompanhado de violão ganhou a companhia de alguns instrumentos e, em alguns momentos, uma roupagem mais moderna sem descaracterização. A força dos primeiros trabalhos pode ser sentida nas canções que modulam entre o folk econômico e introspectivo e rock, mas sempre com a capacidade de se misturar ao moderno e inusitado: Jacob and the Angel traz nas palmas quase um acompanhamento flamenco. A voz de Vega é um bálsamo para os ouvidos constantemente invadidos pelas vozes das cantoras que acham que gritar é o caminho para se fazer ouvir.
Swans – To The Kind
Categorizar o Swans pela música que faz (há décadas) principalmente se analisarmos uma das faixas de To Be Kind que dura mais de meia hora, seria falta de informação ou incongruência, né? O centro nervoso desse trabalho, concebido como álbum duplo em que a música mais curta dura cinco minutos, é a sequencia Bring The Sun/Toussaint L’Ouverture – o antirrock progressivo, um pesadelo sonoro com batida e vocal xamânico seguido por uma linha de efeitos sonoros tenebrosos. Depois dos 34 minutos de pesadelo, você acorda para beber água e respirar.
Max Richter – Recomposed By Max Richter: Vivaldi the Four Seasons
O compositor, produtor e pianista Max Richter recriou uma das peças com maior número de interpretações gravadas na história da música: As Quatro Estações (1723) de Antonio Vivaldi. Richter desenvolveu junto com a sua formação erudita o gosto pelo punk rock e pela música contemporânea – predileção por Luciano Berio e Steve Reich. Ele toma como base As Quatro Estações de origem barroca e acrescenta elementos modernos. Manteve a dinâmica, suaviza passagens, cria texturas utilizando loops e o inusitado acréscimo de sintetizador Moog na composição. Ele ainda criou alguns bônus inspirados livremente na obra original em que flerta com a música ambiente, o minimalismo e até a boa acepção do termo New Age. O resultado não desagrada ouvintes de mente aberta, principalmente quando o violinista solo é Daniel Hope, um músico conceituado e conhecedor da peça.
Valentina Lisitsa- Chasing Pianos: The Piano Music of Michael Nyman
A pianista ucraniana conhecida por interpretações de Rachmaninoff e Liszt homenageia o compositor Michael Nyman conhecido por trilhas inspiradas como O Piano que ocupa quase metade da seleção de Chasing Piano. O score minimalisma pode ser apreciado a partir da capa em que faz referência ao cenário da capa da trilha original.
O pianista mineiro Nélson Freire teve três produtos chegando às lojas em 2014 para celebrar seus 70 anos de vida:
A colaboração com o regente Riccardo Chailly que já havia sido bem sucedida com a gravação dos concertos de Brahms se repete com o Concerto nº 5 de Beethoven; Complete Columbia Album Collection é uma caixa com sete CDs que cobrem o período de 1969/1982; Radio Days – The Concerto Broadcasts 1969/1979 – CD duplo com gravações das transmissões radiofônicas do início da carreira europeia.
Flying Lotus – You’re Dead!
Flying Lotus aka Steven Ellison traz o DNA do clã Coltrane– ele é sobrinho neto da pianista e harpista Alice Coltrane e primo do saxofonista Ravi Coltrane , o que já são credenciais para se aventurar a ouvi-lo. Sinceramente, ele não desaponta. Sua música permeia entre o jazz fusion em Tesla e Cold Dead, pelo rap em Never Catch Me e Dead Man’s Tetris passando pela psicodelia e eletrônica em Siren Song .
Pat Unity Group Metheny – Kin
O premiado guitarrista Pat Metheny apresenta o segundo trabalho com seu Unity Group. Ele mostra que aos 60 anos ainda tem muita lenha para queimar. Sua sensibilidade harmônica e facilidade de improvisação o levaram a colaborar com diversos artistas do pop, jazz e música erudita. Essa versatilidade adquirida ao longo de tantos anos pode ser ouvida em discos como Kin.
Toninho Ferragutti e Neymar Dias – Festa na Roça
Toninho Ferragutti (acordeon) e Neymar Dias (viola caipira) recriaram temas presentes na memória afetiva interiorana. Clássicos da música sertaneja autêntica ganharam arranjos instrumentais inspiradíssimos, sem mexer na estrutura das canções originais. O caráter bucólico de obras-primas do cancioneiro caipira recebeu uma embalagem condizente em digipack tendo como capa a reprodução Festa na Roça (Óleo sobre tela, 1957) de José Antônio da Silva.
Também dignos de nota:
Thurston Moore – Best Day; Bruce Springsteen-High Hopes; Leonard Cohen– Popular Problems; Vittor Santos & Grupo – Co(n) vivências; Silva – Vista Para o Mar; Dr. John– Ske-Dat-De-Dat…The Spirit Of Satch ; Keith Jarrett/Charlie Haden-Last Dance; Charlie Haden – Jim Hall; Cecilia Bartoli – St. Petersburg; Anna Netrebko-Strauss, R.: Four Last Songs; Ein Heldenleben; Alisa Weilerstein– Solo; Martha Argerich/Claudio Abbado – Mozart Piano Concertos 20 e 25; Martha Argerich/Daniel Barenboim – Piano Duos de Mozart, Schubert e Stravinsky.
Últimos comentários: