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13
jun
14

Minhas Copas Inesquecíveis

 

Guias e suplementos especiais de Copas do Mundo - Acervo

Guias e suplementos especiais de Copas do Mundo – Acervo

 

Só se fala em Copa do Mundo… Então fica difícil não falar também seja bem ou mal. Aproveito esse espaço para relembrar as copas passadas – recheadas de boas e más recordações – todas inesquecíveis.

Gostar e jogar futebol – prazeres surgidos em momentos distintos de minha infância, mas ambos me acompanharam por muito tempo. Minha lembrança mais remota: a Copa do Mundo da Argentina, aos oito anos de idade, em 1978. Assisti ao jogo em que os donos da casa “golearam” o Peru por 6 x 0 num pequeno televisor em preto e branco enquanto minha mãe passava roupa e aguardava o final do jogo para assistir à novela. A qualidade da transmissão era sofrível e a imagem do aparelho ainda pior. Mesmo assim, um luxo para quem até seis meses antes vivia no interior de Minas Gerais, na zona rural. Os aparelhos de TV da região podiam ser contados nos dedos de uma mão.

Acompanhei alguns jogos sem entender direito as regras. Aqueles estádios lotados, a barulheira e o papel higiênico encobrindo o verde do gramado. Difícil entender, até hoje, como o juiz Clive Thomas pode encerrar o jogo em que Brasil e Suécia empatavam em 1×1 – durante a trajetória de uma cobrança de escanteio convertida por Zico, de cabeça. Argentina e Brasil estavam empatados em número de pontos. O suposto suborno pago aos peruanos para que perdessem por 6 x 0 proporcionaria aos anfitriões o saldo de gols necessário par disputar a final com a Holanda. A Argentina acabou conquistando a Copa pela primeira vez. Ao Brasil coube o título simbólico de “Campeão Moral”.

Jogadores argentinos comemoram gol contra a Holanda na final da Copa de 1978

Jogadores argentinos comemoram gol contra a Holanda na final da Copa de 1978

Algumas semanas depois a casa ao lado recebeu novos moradores, inclusive um menino mais ou menos da idade do meu irmão mais novo. Ele nos convidou para brincar de bola na calçada: “gol a gol” , “três dentro, três fora”– de maneira tímida dava meus chutes na pelota. Dois anos depois, numa tarde ensolarada, na quadra do clube de várzea do bairro tive uma epifania ao arriscar um drible. Percebi que poderia fazer aquilo com naturalidade. Nasceu ali o gosto pela prática do futebol.

A nossa seleção que disputou a Copa da Espanha, em 1982, era de encher os olhos tanto no papel quanto em campo – uma das melhores que já representaram o país. Telê Santana montou uma equipe com jogadores habilidosos e um esquema tático alegre e ofensivo. Só que no meio do caminho tinha uma pedra e se chamava Itália… Até aquele momento a “Esquadra Azurra” vinha aos trancos e barrancos tendo chegado as quartas de final com três empates e uma derrota. O jogo contra os italianos dava como favorito o “escrete canarinho” de Zico, Sócrates, Falcão e Cia. Motivados pela plasticidade do futebol comparável ao apresentado pela seleção de 1970, as ruas foram tomadas por pinturas com motivos futebolísticos e pelo verde e amarelo. O atacante Paolo Rossi, que até aquele fatídico jogo, não havia demonstrado vocação para o gol resolveu jogar justamente naquela partida tudo que não havia feito nas anteriores.

Paolo Rossi supera a defesa brasileira e marca o primeiro dos três gols da Itália.

Paolo Rossi supera a defesa brasileira e marca o primeiro dos três gols da Itália.

A estrela dos italianos brilhou como o sol naquela tarde no Sarriá enquanto a nossa se apagava. Comoção nacional. Todos os garotos da rua indignados com a virada do destino. Queríamos a desforra mesmo que demorasse alguns anos. Eu fui o mais motivado a jogar e alcançar o profissionalismo. Sonhava com o dia em que faria parte da seleção brasileira e devolver aquela derrota para os italianos.

No mundial do México, em 1986, a seleção brasileira trazia entre os convocados alguns remanescentes do time que disputou a copa de 82, inclusive o técnico Telê Santana. Nossa seleção enfrentou problemas administrativos, de logística e contusões.  Poderia assistir aos jogos em cores, finalmente. . . O carrasco da vez foi a França nos pênaltis. Eu estava no meu auge físico e técnico como jogador, mas mesmo com a dedicação e a possibilidade de jogar no Juventus, percebi que para atingir meu objetivo precisaria contar com a sorte e tratamento fisiológico equivalente ao que Zico havia sido submetido para ganhar massa muscular. Como eu não era um atleta “fora de série” e ainda enfrentava astigmatismo acentuado – tirei meu time de campo. Entre os colegas de clube pelo menos meia dúzia deles apresentava melhores condições que as minhas, porém somente um conseguiu chegar ao futebol profissional e jogar pelo Guarani de Campinas. Os demais se perderam pelo mundo. Eu me conformei em ser apenas torcedor.

Na Itália, em 1990, presenciamos uma das piores formações da seleção brasileira a começar pelo técnico Sebastião Lazaroni e seu esquema tático equivocado. Caímos diante da Argentina de Maradona e Caniggia, ainda nas oitavas de final.

As ruas foram decoradas com cautela para o mundial de 94, nos Estados Unidos. Nossas esperanças depositadas em Romário, Bebeto e Raí que iniciou como capitão da equipe e ainda na primeira fase perdeu a braçadeira para Dunga e a posição para Mazinho. Para a final contra a Itália, a vizinhança se reuniu em volta da TV ligada em cima de um freezer na calçada e fechamos a rua para assistir a partida.

O Brasil disputaria uma final de copa do mundo depois de 24 anos. O momento histórico para a maioria de nós. No meu caso, um ano antes, tive a prévia da emoção de ver meu time vencer um campeonato (o Palmeiras sagrou-se campeão paulista depois de 17 anos e campeão brasileiro depois de 20 anos). Se tudo tivesse corrido como o planejado, a Copa dos Estados Unidos, em 1994, teria sido aquela em que poderia ter disputado e finalmente vencido a Itália na final. Lembro-me da tensão naquela cobrança de pênaltis (veio à memória o desastre da disputa contra a França, em 1986). Mas desta vez tínhamos a estrela de Taffarel que agarrou a cobrança de Massaro e o infortúnio de Baresi e Baggio que chutaram para fora. No ano em que o país perdeu Ayrton Senna, pode se alegrar com o título de tetra campeão mundial de futebol.

O capitão Dunga levanta a Copa do Mundo nos Estados Unidos , em 1994

O capitão Dunga levanta a Copa do Mundo nos Estados Unidos , em 1994

Naquela copa ficou evidente que o futebol vistoso e de jogadores habilidosos estava se tornando um jogo pragmático em que jogadores sobressaiam pela constituição física e não mais pela técnica e domínio dos fundamentos. Não estou generalizando, mas tenho a impressão de que grande parte dos jogadores profissionais possuem dois pés esquerdos – não conseguem fazer um passe ou chute a média distância e mesmo assim recebem altos salários.

Em 1998, na França, a melhor lembrança tenho da semifinal contra a Holanda que chegou às últimas consequências: relembrou a disputa contra a Itália, quatro anos antes, e novamente Taffarel deu uma mãozinha ( ou melhor duas) ao defender as cobranças de pênaltis de Cocu e Ronald de Boer. Aquele foi o último jogo de Copa do Mundo que torci e me emocionei. Foi considerado como final antecipada e muitos acreditavam que não seria difícil vencer os anfitriões que não apresentaram um futebol tão bom quanto à Holanda. O domingo amanheceu nublado – um presságio de que o jogo contra a França não teria um resultado favorável ao Brasil. Dito e feito. O jogo foi nebuloso como aquele domingo. Ronaldo, nossa maior esperança, teve aquelas “convulsões” e não rendeu. Ficou apático durante o jogo, enquanto o craque Zidane apresentou talento e sofisticação ao liderar  a equipe durante o jogo. Foi responsável por dois dos três gols da derrota brasileira . A França levantou seu primeiro título mundial.

Na Copa de 2002, disputada pela primeira vez em duas sedes Coréia e Japão não cheguei a assistir aos jogos. Acompanhei o jogo final contra a Alemanha porque foi num domingo. Fazia alguns anos que não via o Brasil tão bem como naquela partida.

Os mundiais de 2006 e 2010 nem liguei para as eliminações precoces. Aquelas seleções não me empolgaram.

Eis que chegamos a 2014 e a chance de disputar e ganhar a Copa do Mundo no Brasil. Estava de folga e poderia assistir a Abertura e estreia da seleção brasileira. Pela manha saí pelo bairro para ver o movimento nas ruas e até aproveitei para cortar o cabelo. Durante o almoço, em casa, no telejornal acompanhei a cobertura da Copa e as manifestações contrárias à realização dela. Em São Paulo, onde seria o primeiro jogo, alguns manifestantes tentaram fechar o acesso à Arena Corinthians. A policia revidou com “tiro, porrada e bomba” para reestabelecer a ordem.

Mascote oficial da Copa do Mundo do Brasil 2014

Mascote oficial da Copa do Mundo do Brasil 2014

Que abertura mequetrefe! O mundo todo assistiu a uma gigantesca festa de escola infantil. Deixar a direção do espetáculo de abertura por conta de uma europeia… Perpetuação da imagem estereotipada do brasileiro. Um carnavalesco o faria com concisão, volume e originalidade. A geração de imagens e transmissão capenga da Rede Globo completou o trabalho.

Assisti ao evento em casa com a minha mãe, como em 1978. O restante da família não conseguiu vir assistir ao jogo em casa. Cinco da tarde, a seleção em campo e começa a execução do Hino Nacional Brasileiro, confesso que me emocionei. O zagueiro David Luiz gritava ao invés de cantar, deixando evidente o nervosismo. A FIFA que vem limitando o Hino Nacional a 90 segundos teve que se dobrar a vontade dos torcedores que entoaram “à capela” o restante do hino.

Mesmo liberada às pressas, a Arena Corinthians, pelo menos pela TV, lembra estádios europeus: uma beleza! Pena que houve várias quedas de energia durante o primeiro tempo (havia sol). Pelo menos no segundo tempo se estabilizou (a noite caiu rapidamente). Bola rolando e nervosismo da estreia. Aos 11 minutos do primeiro tempo, num lance rápido pela linha de fundo, Marcelo acabou jogando contra o patrimônio. O empate persistia até os 25 minutos do segundo tempo quando a malandragem brazuca de Fred enrolou o juiz que marcou um pênalti duvidoso. Convertido por Neymar numa cobrança mais ou menos (por pouco o goleiro não defende). Neymar pode ter feito dois gols, mas o melhor em campo foi Oscar. Ele foi responsável pelo passe do primeiro gol, o lançamento que originou o pênalti e ainda teve tempo para marcar o seu aos 46 minutos do segundo tempo.

O futebol apresentado foi mediano, deu para o gasto e ainda contou com a ajuda da arbitragem. As manchetes internacionais davam ênfase ao juiz e não ao futebol brasileiro. Muita desconfiança no ar. Vamos torcer muito pelo Brasil (a seleção e o país) para que entrem nos eixos.

Charles Antunes Leite